terça-feira, 3 de setembro de 2013

A distância relativa entre o anão e o gigante

Conto-vos a história de um microrganismo: um mycomicetes chamado Dictyostelium discoideum. Numa das suas fases de vida – o período em que o substrato do solo é rico em nutrientes (bactérias) – ele vive de forma caótica; células isoladas que se movimentam de maneira autónoma alimentam-se umas das outras e multiplicam-se como as amebas. Vivem no chão, entre as folhas húmidas, onde proliferam as bactérias das quais se alimentam. Quando o substrato do solo começa a diminuir, os microrganismos começam a procurar um acordo entre elas e entram na etapa da agregação, formando um aglomerado gelatinoso.

Nesta etapa determinadas células, que geralmente encontram-se no centro das colónias, segregam uma proteína mensageira – a Adenosina monofosfáto cíclica, C-AMP, formada por uma base nucleica – a Adenina, um açúcar – a Ribose, e o ácido fosfórico. Quando as células adjacentes captam esta proteína, elas próprias começam a produzir e segregam C-AMP mais concentrado, o que permite alertar as células contíguas e assim sucessivamente até o extremo da colónia de bactérias. 

Simultaneamente produzem e segregam glicoproteínas de adesão, permitindo colar as células entre si até formarem um conglomerado gelatinoso de uns 2 a 4 mm de comprimento. Este conglomerado ou associação com aspecto de lesma, movimenta-se no solo deixando um rastro viscoso, e esta comunidade é atraída pela luz, o calor e a humidade.

Durante a marcha lenta, viscosa, mas segura, quando encontra um terreno propício, as células da parte anterior do conglomerado formam o talo frutífero, e as células da parte posterior do mesmo geram esporos – a unidade de reprodução do microrganismo. Os esporos são disseminados e recomeça o ciclo de vida individual e caótica até nova falta de substrato e nova socialização.

Quando observamos o modo de vida dos Dyctiostelium discoideum, podemos fazer um paralelismo sobre o comportamento humano. Na atual sociedade ocidental, usufruímos de grande abundância de recursos, alimentos, comodidades. Contudo, o indivíduo individualizou-se, tornou-se egoísta, insensível às carências dos outros; por vezes vemos e ouvimos notícias sobre catástrofes, fome, guerras e outras convulsões, e a atitude é de: “coitados”, “esperemos que não nos atinja”, “é longe, aqui não chega”, etc., etc.; mas quando nos atinge, tornamo-nos solidários, ajudamo-nos uns aos outros. Basta observar o comportamento solidário, daqueles que foram atingidos por uma catástrofe, um acidente, uma penúria. A observação da vida e atitudes dos seres considerados microscópicos, pela sua menor complexidade permite-nos aceitar mais facilmente o Ser Humano e o seu comportamento, por vezes tão difícil de entender. 

Outro aspecto interessante do D. discoideum, foi descoberto recentemente pela Debra Brock – estudante de pós-graduação em ecologia e biologia evolutiva da Rice University de Houston (Texas). Observou ao microscópio, durante a experimentação com clones antigos deste microrganismo, que as bactérias saíam do corpo frutífero. Inicialmente pensou que seria uma contaminação, contudo após várias pesquisas e experimentos observou que alguns dos D. Discoideum semeavam (plantavam) no seu entorno, alimentos (bactérias). Segundo Debra, “Elas podem pegar na bactéria, dispersar as sementes em terrenos propícios e fazer a colheita ”. Estas experiências encontram-se descritas na revista Nature. Para os investigadores do grupo, o resultado da experiência foi o suficiente para nomear ao D. Discoideum como um micro agricultor. Este tipo de inteligência – que não é processada por um cérebro – é denominada de “inteligência emergente”, tema de extremo interesse na investigação.

A partir deste exemplo, podemos chegar a outra reflexão: a agricultura não é uma invenção humana. De facto, no Universo existe o princípio, meio o e fim de tudo – os problemas e as suas soluções. O Ser Humano limita-se a estar receptivo e a descobrir, ou seja, a retirar o véu do que já existe. “É fundamental observar os mais pequenos para entender os maiores. “     

Dr. Alain Barberà